Pela primeira vez em quase três décadas, o Palácio dos Bandeirantes não é ocupado pelo grupo político do PSDB. Ao longo de 28 anos, os tucanos construíram um embricado sistema de istração do estado, envolvendo a dependência de prefeitos, o domínio da Assembleia Legislativa, relações promíscuas com empresas contratadas pelo governo e um certo desinteresse conveniente de parte da imprensa. 4k3r2q
O fim do reinado do PSDB em São Paulo é, sem dúvida, a principal novidade na política estadual. Eleito na esteira do bolsonarismo, Tarcísio – que morou a maior parte da vida fora do estado que agora tem que governar – assumiu o cargo com o desafio de se diferenciar dos tucanos, governar sem a máquina do PSDB e reorganizar a extrema-direita no maior estado do país.
Embora busque se diferenciar do fanatismo bolsonarista para ar uma imagem moderada e estabelecer relações com o governo federal, abriu as portas do seu governo para expoentes da extrema-direita, como a fundamentalista Sonaira Fernandes, secretária de Políticas para a Mulher, o policial militar Guilherme Derrite, secretário de Segurança Pública, e o ex-ministro Paulo Guedes, indicado para presidir seu conselho econômico, além de incontáveis indicados para os escalões inferiores. Também anunciou que a pasta ambiental dividiria a mesma secretaria com os setores de logística, transportes e infraestrutura, demonstrando a prioridade que pretende dar para a pauta e seguindo a política antiecológica do governo Bolsonaro.
Ainda na montagem de seu secretariado, Tarcísio gerou indignação ao anunciar a extinção da Secretaria dos Direitos das Pessoas com Deficiência, criada em 2008. Pressionado pela mobilização da comunidade, recuou. Pouco tempo depois, outro deslize: vetou o projeto de lei que tornava permanente a validade dos laudos de pessoas com espectro autista, justificando que o autismo pode ser mutável se diagnosticado precocemente. Contrariado pela ciência, pediu que a Assembleia Legislativa derrubasse seu próprio veto.
Na Assembleia, conseguiu o trunfo de unificar os partidos de situação e oposição – exceto a bancada do PSOL – em torno da candidatura do deputado André do Prado, que foi eleito presidente da Casa com 89 dos 94 votos. Os deputados da base de apoio a Tarcísio também conseguiram protocolar uma série de Is para blindar o governo de investigações sérias, após submeter seus assessores a três dias de espera na fila, repetindo o modus operandi das istrações tucanas. Apesar disso, o governador terá que enfrentar a maior bancada de oposição da história da ALESP.
Ao longo desses quatro meses, enfrentou as tragédias climáticas de Araraquara e do Litoral Norte, uma greve dos trabalhadores do Metrô e dois acidentes envolvendo o transporte sobre trilhos: a colisão de trens no monotrilho da Linha 15 e um descarrilamento na Linha 8, privatizada. Durante a paralisação do Metrô, seu governo chegou a anunciar que acataria a proposta da categoria e liberaria as catracas para a população para pôr fim à greve, mas recuou e a direção da empresa terminou multada pela Justiça do Trabalho por confundir os usuários.
Fanático por privatizações, o governador encomendou estudos para desestatizar a Emae (Empresa Metropolitana de Águas e Esgotos) e a Sabesp. Ao longo da campanha eleitoral, recuou da promessa de vender a Sabesp diante da repercussão negativa, mas retomou o projeto assim que eleito. O governo sabe que a privatização da companhia é inviável para centenas de municípios que dependem do saneamento público e que terá dificuldade para aprovar a medida mesmo entre os deputados da sua base.
Tarcísio começa seu mandato repetindo a lógica privatista e antidemocrática do PSDB, mas sem o mesmo domínio da máquina e com muitos mais tropeços do que os tucanos. A tarefa da sociedade civil será fiscalizar e impedir quaisquer irregularidades do governo e retrocessos contra os direitos da população de São Paulo.