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Projeto Escola Cívico-Militar: ‘vigiar e punir’ contra educação

Por Baltazar Gonçalves | Especial para o GCN/Sampi
| Tempo de leitura: 5 min

O Projeto Escola Cívico-Militar em São Paulo, aprovado pela Assembleia Legislativa e sancionado pelo governador Tarcísio de Freitas através do Projeto Complementar 1.398, visa implementar um modelo de gestão compartilhada entre civis e militares em escolas públicas. Membro do partido Republicanos, Tarcísio de Freitas serviu como Ministro da Infraestrutura do ex-presidente Jair Bolsonaro de 1º de janeiro de 2019 a 31 de março de 2022 e expressa a mesma vontade de poder extremista. 

O objetivo, segundo o governo, é melhorar a qualidade do ensino promovendo a cultura da paz e o combate à violência com a participação de policiais militares da reserva em atividades (pasmem!) pedagógicas e de gestão. A pergunta que educadores de profissão e pesquisadores (da História da Educação, Sociologia, Antropologia, da psicologia da Educação) fazem por serem responsáveis é: como uma estrutura policial-militar, que tem histórico de repressão aos movimentos sociais, pode contribuir para a formação do pensamento crítico, criativo, reflexivo e libertário que é propósito do ensino nas escolas com mediação dos professores em sala de aula? Promover a “cultura da paz” parece ser boa justificativa, mas não se engane caro leitor!

Como a polícia-exército pode promover essa ideia se desempenham papel duvidoso nos conflitos urbanos desde a Proclamação da República em 1889? São muitos os exemplos desde a Guerra de Canudos ando pelas insurgências populares legítimas da Revolta da Vacina, a Revolta da Chibata e a Guerra do Contestado, refletindo a insatisfação popular com o regime oligárquico que esse mesmo governo de Tarciso de Freitas representa hoje.

Por “cultura da paz” entende-se a formação de hábitos que busquem eliminar a violência em todas as suas formas: física, verbal, psicológica, econômica e estrutural, construindo relações pacíficas entre os indivíduos, os grupos sociais e, por consequência, entre as nações no mundo. Pode parecer muito abrangente, mas começa simples dentro de casa e continua nas salas de aula onde funcionários públicos existem para servir o público, as comunidades com suas características peculiares, suas necessidades específicas e seus propósitos de evoluir e crescer:  fazer parte e não ser excluído. Sejamos sinceros, quando realmente podemos nos sentimos seguros com a presença da polícia? Talvez a resposta esteja do lado de quem não é excluído porque aqueles que reivindicam direitos sempre estão acuados. É notória a produção de violência de quem tem função de proteger. De qual segurança estamos falando quando são nossos filhos e netos em sala de aula?

O subtexto desse “Projeto Escola Cívico-Militar”, aquilo que se entende interpretando as intenções não expressas em palavras, é que a família faliu em suas funções de educar, que a escola também não deu conta, e só a polícia-exército que simbolicamente representam força e poder podem nos salvar da nossa incompetência, da nossa “frouxidão”, restaurando a disciplina nas escolas com rigidez e medo e recuperar a direção do conhecimento. Qual conhecimento pode florescer sob vigilância?

O falso dilema “o que os pais deixam de ensinar em casa, professores não conseguem suprir” tornou-se polarização intransponível, os adultos das relações deixando e buscar soluções em conjunto para focar na escassez, no que falta. Como se educar continuamente não fosse responsabilidade de todos, a terceirização da responsabilidade abre essa brecha insana do Estado reacionário propor e implementar intervenção onde é ele a instância que mais falha.

O filósofo francês Michel Foucault abordou a educação, principalmente sob a perspectiva das relações de poder, disciplina e governamentalidade. Ele argumenta que a escola, como instituição, não é apenas um lugar de transmissão de conhecimento, mas também um espaço de produção de sujeitos obedientes e controlados, como a educação se integra às estratégias de governos que visam regular e controlar a população: “para que fins?” deve ser sempre nosso questionamento. Visto que a posição do governo do Estado de São Paulo no espectro político está na extrema direta, não é difícil concluir que esse modelo de escola cívico-militar é retrocesso evidente ganhando fôlego e espaço.

É preciso combater o obscurantismo esclarecendo os grandes avanços que já obtivemos com pensadores da importância de Anísio Teixeira e Paulo Freire. O primeiro foi importante jurista, intelectual, educador e escritor brasileiro que viveu no século XX (12 de julho de 1900, 11 de março de 1971) e é reconhecido por suas ideias e ações que revolucionaram o ensino, defendia uma educação pública, laica (não religiosa) e gratuita, para ele a educação deveria ser direito fundamental para todos independentemente da sua classe social, defendia ideias arrojadas numa época em que as mulheres nem votavam e a população negra recém liberta da escravidão era renegada, completamente excluída. Quanto ao segundo, Paulo freire, basta dar um google ou pergunta pra sua IA no WhatsApp sobre sua importância que vai, confira, na direção oposta de policiamento em salas de aula. 

Se toda a estrutura sobre a qual a sociedade se equilibra tem raízes profundas na mentalidade colonizada, a transferência das responsabilidades parece um jogo de “gato & rato” cada vez mais perigoso: se não estamos fugindo, estamos acusando a outra parte de ser negligente. É nessa brecha que o atual governo proto-fascista do Estado de São Paulo parece encontrar oportunidade para minar a árdua história das conquistas por direitos civis a partir da educação, nas salas de aula. Existe de forma natural nas relações humanas um componente transgressor que o ato de aprender confere, quem a a conhecer nova realidade refuta que não serve, o que é ultraado inoperante, é justamente esse poder que o indivíduo precisa conquistar, essa voz para expressar sua existência, que querem silenciar vigiando e punindo. Mas, como todos os dias nos faz lembrar o poeta do Protesto, Carlos de Assumpção: não pararemos de gritar!

Baltazar Gonçalves é historiador, mediador de leituras e escritor membro da Academia Francana de Letras.

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Comentários

4 Comentários

  • Freitas 5 dias atrás
    Que vergonha desse senhor. Mais um militante que teme perda de espaço da doutrinação marxista maldita nas escolas com a implantação desse modelo de ensino. Os dados são claros: redução da violência física, ataques verbais, vandalismo, evasão e abandono escolar. Além disso, é notório que grande parte das famílias e escolas falharam gravemente em suas funções de educar e preparar adultos para a vida adulta. O autor acha que o certo é a sociedade ser formada por marmanjos ultra sensíveis e fracos, incapazes de garantir a própria sobrevivência sem depender do Estado. A disciplina na educação é um pilar fundamental para o desenvolvimento saudável das crianças, goste você ou não. É um processo de orientação e construção de limites, que ajuda a criança a entender o mundo, conviver em sociedade e desenvolver autonomia.
  • Adauto Casanova 5 dias atrás
    Medidas que vão contribuir muito para melhor formação dos jovens.
  • henrique 5 dias atrás
    O que os solidarios da ideia da escola civico-militar não percebem é que o \'matricule se quiser\' é um filtro que seleciona crianças, me explico. Toda escola é obrigada a dar a vaga para o aluno que mora próximo a ela, por direito da criança/adolescente e dever do estado em oferecer a vaga. Quando se cria filtros (vestibulinho, como acontece na ETEC, Agricola), o \'matricule se quiser\' (como acontece com este projeto de escola civico militar) ou até mesmo uma escola na área central (onde se precisa de locomoção via onibus/carro/van e pesa economicamente na familia) se cria um filtro que seleciona quem pode/deve ou quer se inscrever e que distorce a lógica, se apresentando como uma falsa solução para o problema da educação. Porém isso é populista e dá votos, e os emocionados vão obviamente dar seus votos aos políticos que defendem esta idéia de escola e, obviamente, os políticos sabem que isso é uma mina de votos na próxima eleição. Enquanto isso, o real problema da educação é varrido pra debaixo do tapete...
  • Alex 5 dias atrás
    O nobre autor do texto só se esquece que não são todas as escolas que adotarão o modelo cívico-militar, mas somente aquelas no qual o corpo docente, pais e alunos maiores de 16 anos votarem majoritariamente favorável ao sistema e ninguém é obrigado a matricular seus filhos nestas escolas.