
“A maneira como pensamos o envelhecimento afeta a forma como envelhecemos”. Esta frase, dita por geriatra numa das minhas primeiras consultas dentro do programa “Viver Bem” da Unimed Franca, ligou uma luz dentro do clima acinzentado em que eu vinha me movendo, desde que, pela biologia e legislação, fui me tornando idosa, incluída nessa faixa desconfortável e assustadora chamada 60+. E olhem que faz tempo que isso aconteceu.
Minha irmã Sandra, bem mais jovem, já havia me falado sobre sua experiência positiva no modelo inovador de atendimento, baseado no serviço de Atenção Integral à Saúde. A amiga Zoraide também tinha me esclarecido que nos espaços arborizados do Castelinho os conveniados dispunham de médico-referência atuando com equipe multidisciplinar. Conhecendo o histórico dos pacientes, a equipe os acompanhava de perto, planejando em conjunto a melhor forma de cuidar da sua saúde. Confesso que custei um pouco a checar o funcionamento; hoje me arrependo de ter perdido tanto tempo.
Pensando bem, atribuo minha indecisão ao fato de me sentir vítima do etarismo, uma das mais recentes formas de discriminação nas sociedades do Ocidente.
No Oriente, salvo poucas exceções, envelhecer significa conquistar mais respeito e consideração das gerações anteriores. Palavra nova para velho conceito, por aqui etarismo aparece em múltiplas situações onde se desvelam estereótipos negativos em relação a pessoas a partir dos sessenta anos. Está visível na publicidade que retrata idosos como carentes e frágeis. É detectável em frases que se pretendem elogiosas, tipo ‘ah! você está ótima para a idade!’, mas fazem depreender que a norma é encontrar pessoas da sua faixa com péssima aparência.
Ou então irrompe em perguntas que desvelam uma ideia de incapacidade: ‘Por que você quer trabalhar se já se aposentou?’
Acrescente-se a esse contexto preconceituoso o jeito infantilizado que muitos (dentre eles, cuidadores) utilizam no contato com idosos: ‘senhorinha’, ‘mãozinha’, sapatinho, ‘benzinho’, ‘queridinha’, etc. Essa linguagem que pressupõe, incapacidade e dependência, e para mim soa humilhante, agora tem nome no idioma inglês: ‘elderspeak’. Para complicar a situação, as mensagens preconceituosas não chegam apenas de outras pessoas; elas podem estar dentro de nós e ecoam com frequência a ordem vinda de muitos lugares da cultura que, além de hedonista, privilegia sempre o novo: ‘É preciso parecer mais jovem!’. Será? Por quê?
Com tudo o que ouvi desde há alguns meses, cheguei à conclusão de que nunca é tarde para aprender coisas novas. Estou até gostando de algo que a vida inteira detestei, como fazer ginástica. Agora, às segundas e quartas à tarde, impreterivelmente, chego para as aulas. Os professores são alegres, assertivos, bem didáticos, e nos levam a entender que a prática regular de atividade física está diretamente ligada à qualidade de vida a longo prazo.
De um deles ouvi que há dois tipos de envelhecimento: o primário e o secundário. Contra o primeiro, que acontece no nível das células e tem impacto no funcionamento dos órgãos, sistemas e corpo como um todo, nada a fazer: são processos biológicos intrínsecos.
Já contra o segundo, que diz respeito à deterioração decorrente do estilo de vida de cada pessoa, há muito a ser feito: a ciência tem auxiliado a geriatria com novas e alvissareiras informações sobre viver melhor e cada vez mais.
Como muitas das perdas do envelhecimento estão ligadas à redução de capacidades como força, potência muscular, mobilidade das articulações e aptidão aeróbica, um programa como o citado acima é capaz de prolongar a funcionalidade por muitos anos. Isso não tem preço, pois na prática significa, entre outras vantagens, escapar da sarcopenia, a perda progressiva de massa muscular que está associada a um maior risco de mortalidade entre idosos. Não é à toa que a ordem ‘Movimente-se’ está estampada na camiseta verde da turma.
Então, vou seguindo as orientações. Ergo braços, flexiono pernas, giro os pés e mãos na grande sala de atividade física; me alimento seguindo as orientações da nutricionista; faço exames periódicos indicados; cuido dos meus pensamentos e emoções. E rio muito com colegas que reencontro, algumas do tempo de magistério, como a querida e sempre bem humorada Solange Botelho, para quem ‘nosso sonho deve ser alto e os exercícios precisam nos alçar ao nível das globelezas’. No mínimo.
Não há como fugir da dura realidade. Mas ainda que considerando o processo inexorável, se houver discernimento, empenho físico e disposição mental é possível envelhecer com sabedoria, o que significa não deixar que a adição dos anos nos subtraia a alegria de viver. Nesse ritmo, a gente poderá até receber como inspiração os versos de um dos nossos mais populares poetas, Olavo Bilac, que associa em soneto célebre homens e árvores:
‘Não choremos, amigo, a mocidade!
É um ideal romântico em formato parnasiano. Mas pode ser um propósito humanista, apesar dos valores dominantes na contemporaneidade.
Sonia Machiavelli é professora, jornalista, escritora; membro da Academia Francana de Letras.
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