OPINIÃO

Eu só peço a Deus


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Angustiam-me os círculos de morte! Sei que há situações que denunciam nossa impotência e não encontramos nem a luz de uma candeia. Todas as circunstâncias penso que devo colocar nas mãos de Deus, contudo existem algumas que nossas ações, de certa forma, são inúteis.

A menina convive com o pai embriagado, que fala coisas desconexas e implica pelas menores coisas. Grita com a companheira e ameaça espancar os filhos. Proclama suas verdades com o corpo bambeando. Excesso de aguardente que, ao encostarem nele, cai e, para se levantar precisa de ajuda, apesar de seus apenas 30 anos. A companheira, por outro lado, esbraveja, diz que jogará suas roupas na rua, não o quer mais e, no auge do desespero, pega a marreta e começa a quebrar as coisas de casa. Despedaça a parede até ferir os dedos. Em seguida, senta-se no botijão de gás vazio no quintal e olha para as crateras de sua história. O moço, depois de resmungar palavras incompreensíveis, se esparrama no colchão, vestido como chegou. Os quatro filhos, de dois a oito anos, observam acuados a cena que lhes suga a vontade de brincar.

A menina de sete anos se recorda das duas vezes que o pai, enquanto a mãe insistia para que fosse embora de casa, tomou veneno. Que desespero! Vivem sem saber quais os motivos – sem motivos – para a tortura do amanhã.
 
Comovo-me com as crianças, a mãe e o pai. Cada um com sua história de destroços. Juntam cacos que encontram no acaso de seus caminhos, mas não completam o que desejariam no ado para dar certo o presente.
 
A menina é solitária nas brincadeiras. Quando se   imagina em um picadeiro, a por todos os lados jogando pedra na plateia ausente. Expele, nas pedras, seus medos da fome, da sede, da morte de seus pais nos ataques... Teme sirene. Duas vezes o pai saiu de casa de ambulância e uma de carro de polícia. Conhece um andarilho. Imagine se tiverem que viver de lá para cá. Encontra mais uma pedra e a lança com seus desalentos.
 
Que fazer para ajudá-la a sair de seus desencantos e se tornar personagem real de um dos livros de literatura infantil de que gosta? Que fazer para que todas as crianças consigam ultraar o círculo enferrujado que range melancólico na sua família? Que fazer para que todas as pessoas possam, como no texto de Cecília Meireles, a “Arte de ser feliz”, abrir a janela e encontrar um jasmineiro em flor e verificar que “tudo está certo, no seu lugar, cumprindo seu destino”.
 
Semana ada, conversando com o padre Márcio Felipe de Souza Alves a respeito, sobre meu desassossego com essas vidas detidas em um círculo que, na perspectiva humana dificilmente se rompe, das inúmeras pessoas que se fazem próximas, ele me ofereceu a música do compositor argentino, Léon Gieco, “Eu só peço a Deus”, na voz de Mercedes Sosa: “Eu só peço a Deus/ Que a dor não me seja indiferente/ Que a morte não me encontre um dia/ Solitário sem ter feito o que eu devia.
 
Eu só peço a Deus/ Que a injustiça não me seja indiferente...
 
Eu só peço a Deus/ Que a guerra não me seja indiferente/ É um monstro grande, pisa forte...”.
 
Eu só peço a Deus que os círculos de morte não me sejam indiferentes e que eu não deixe de buscar caminhos que ultraem fronteiras.

Maria Cristina Castilho de Andrade é professora e cronista ([email protected])

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