MANDATO ÚNICO

PEC do fim da reeleição é bem avaliado por especialistas

Por Marília Porcari |
| Tempo de leitura: 6 min
Tribunal Superior Eleitoral
Proposta quer proibir mandatos sequenciais para cargos no Poder Executivo
Proposta quer proibir mandatos sequenciais para cargos no Poder Executivo

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 12/2022, que altera a Constituição Federal para acabar com a reeleição para cargos do Executivo e estabelecer os mandatos em cinco anos, em vez de quatro, agrada especialistas. Aprovada na Comissão Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) no Senado recentemente, o projeto ainda tem de ser aprovado em plenário para retornar à Câmara dos Deputados. Em ambos os casos, tem de ter apoio de 49 dos 81 senadores em dois turnos de votação. Se aprovada, a proposta será encaminhada à Câmara dos Deputados, onde também deverá ser votada em dois turnos, necessitando do apoio de pelo menos 308 dos 513 deputados.

O Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP) se pronunciou esta semana a respeito destas mudanças, lembrando que há a necessidade de respeitar o prazo para aplicação da nova legislação. “Para serem aprovados, além de ar por análises em comissões do Senado e da Câmara, os projetos precisam ser levados à votação nos plenários das Casas. No entanto, mesmo após eventual aprovação de qualquer proposta, a lei que altera o processo eleitoral só será aplicada ao próximo pleito se tiver sido aprovada e publicada no mínimo um ano antes, de acordo com o princípio da anualidade, anterioridade ou antinomia eleitoral”, explicou o órgão, em seu site.

Ou seja: para 2026, quando haverá escolha de presidente e governadores, a nova legislação precisa ser publicada até 3 de outubro deste ano. Com estes prazos, é mais plausível que, se aprovada, as normas em a valer apenas na eleição de 2028, quando serão escolhidos prefeitos. O objetivo deste prazo de um ano para fazer valer novas regras está dentro da Constituição Federal e o objetivo é assegurar que mudanças na legislação eleitoral somente entrem em vigor se forem aprovadas com antecedência mínima, impedindo alterações de última hora nas regras legais.

Apesar de ainda não ter data certa para votação da PEC, as mudanças já são debatidas e na opinião do cientista social Samuel Vidilli o fim da reeleição é positivo. “Nos modos da política brasileira, nós não podemos na reeleição como algo positivo, porque hoje qualquer pessoa que ocupa vaga no Executivo já entra no primeiro mandato pensando na reeleição”, diz, considerando que com esta visão a gestão fica comprometida. “Ao invés de fazer um trabalho para a população vira político, para consolidar suas bases, para manter pelo menos oito anos seu grupo no poder. Por isso acho mais interessante um mandato maior, de cinco ou seis anos e sem oportunidade de reeleição”.

Para políticos que ocuparam cargos no Executivo Municipal e foram reeleitos, os oito anos de mandato foram essenciais para conquistar resultados positivos para os municípios que istraram. Esta é a opinião de Luiz Fernando Machado, que foi prefeito por duas vezes em Jundiaí. “Tive a oportunidade de consolidar um modelo de gestão que priorizou resultados, planejamento de longo prazo e governança baseada em dados. A continuidade istrativa permitiu avançar em projetos estruturantes que impactaram diretamente a qualidade de vida da população, portanto a experiência da reeleição aqui foi muito positiva. Mas, convenhamos, que esse não é o padrão do Brasil”, afirma.
Ele destaca ainda a importância de que, com a impossibilidade de emendar um mandato no outro, o período seja ampliado: “Se o fim da reeleição for consolidado, será essencial que o país pense em novos mecanismos que assegurem a continuidade de boas práticas e a estabilidade das políticas públicas. Um mandato único mais longo, por exemplo, pode ser um caminho”.

Já o cientista social Samuel Vidilli alerta para a questão de propósito nas realizações do executivo, que não devem usar como justificativa para continuar no cargo para terminar obras ou manter projetos em andamento. “O que precisa é começar e o sucessor, independente de quem for, deve dar prosseguimento a essa obra, se ela for boa. Se é um projeto necessário, não deve ser de um político”, opina, ressaltando ainda que seriam necessárias mais alterações na legislação. “Na verdade, o ideal seria uma reforma política que proibisse mudanças abruptas em projetos e obras que são importantes e necessárias”, afirma, destacando que o planejamento de melhorias para a cidade não pode ser parte de um planejamento político de um grupo, problema que deve ser solucionado com o fim da reeleição.

Segundo a professora de Ciência Política da Unicamp, Rachel Meneguello, os mandatos seguidos não são uma condição essencial para bons governos, como defendem algumas pessoas. “Muitos políticos consideram a reeleição positiva sob o argumento do tempo de gestão, mas não há evidências, sobretudo ao nível dos governos locais e estaduais, que um duplo mandato produza ou tenha produzido resultados mais positivos”, afirma.

ALTERAÇÕES NAS ELEIÇÕES

A professora da Unicamp lembra o histórico em relação à reeleição, que foi introduzida em 1994 ao final do primeiro governo Fernando Henrique(1994), por meio de uma articulação com o Congresso para aprovação de uma emenda constitucional que possibilitou a sua recondução à Presidência da República em 1998. Até então, a Constituição de 1988 definia mandatos de 5 anos para o poder executivo, e por meio de emenda, essa condição foi alterada. “Se naquele momento houve significativo apoio para essa ação, justificada sobretudo pela estabilidade econômica desenvolvida pelo seu governo, esse dispositivo ou a gerar muitas controvérsias ao longo dos anos”, comenta. Ela destaca que atualmente o mandato inicial do político eleito tem sido dedicado  em boa parte às estratégias para a sua reeleição,com ações comprometidas com interesses eleitorais.

Sobre a atual proposta, Rachel destaca dois pontos: os legislativos locais, estaduais e federal continuam com o dispositivo da reeleição, e terão seus mandatos ampliados para 5 anos em 2034; e a unificação dos pleitos eleitorais, uma única eleição a cada 5 anos que colocará todos os cargos executivos  e todos os cargos legislativos concorrendo no mesmo pleito. De acordo com ela, essa mudança pode levar a “possibilidade de ‘presidencializar’ ainda mais as preferências do eleitor, tornando muito maiores do que hoje a dinâmica eleitoral no país já mostra”.

Opinião parecida é compartilhada pelo professor de Direito Eleitoral da Faculdade de Direito da USP de Ribeirão Preto, Rubens Beçak, que destaca a situação política como o motivo para a questão ter ganhado uma proporção maior. “Com a maioria significativa de oposição no Congresso, coloca no horizonte como uma possibilidade real de que isso venha a ser aprovado. Entra em um horizonte não só de possibilidade como até de probabilidade”, ele considera. O especialista ressalta que outro ponto importante desta PEC é a ‘união’ do calendário eleitoral, com apenas um pleito para todos os cargos. “De  certa maneira, de dois em dois anos, tudo para por conta das eleições, quer porque quem está nos mandatos majoritários precisa costurar suas bases de apoio nos legislativos, quer porque as pessoas estão buscando a reeleição onde elas podem”, comenta o professor, avaliando que com a PEC mais uma mudança importante se consolida para a gestão pública no Brasil.

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