
Jair Bolsonaro é um fenômeno político cuja existência desafia qualquer lógica progressista. Seu legado, impregnado de misoginia, ódio e descaso pelos direitos humanos, é um dos maiores desserviços que o Brasil já testemunhou. No momento em que o país enfrenta índices alarmantes de feminicídio e violência contra a mulher, o ex-presidente segue reforçando um discurso retrógrado, ofensivo e perigoso. Mais uma vez, Bolsonaro provou que sua natureza misógina não é mero deslize, mas sim um traço estruturante de sua persona política.
A declaração em que classifica mulheres petistas como “feias” e “incomíveis” escancara, sem subterfúgios, sua incapacidade de respeitar mulheres independente de seu pensamento político. É um ataque ao feminino, à liberdade, à dignidade das mulheres brasileiras. Ao proferir esse tipo de comentário em meio a risos e aplausos de seus apoiadores, e não vamos dizer que foi em um momento de descontração, pois a mensagem foi tornada pública por um agente político, o vereador carioca de Florianópolis Jair Renan, Bolsonaro reitera a mentalidade que objetifica mulheres, ridiculariza suas lutas e normaliza o machismo mais rasteiro.
E eu falo isso não apenas como observador, mas como testemunha ocular da misoginia escancarada de Jair Bolsonaro. Quando fui Secretário Executivo da Frente Parlamentar em Defesa da Indústria Aeronáutica Brasileira, em Brasília, em 2003, ouvi do próprio Bolsonaro, quando deputado, uma declaração que revela seu desprezo pelas mulheres no ambiente de trabalho. Ele disse, com todas as letras, que não contrataria mais mulheres para seu gabinete parlamentar, porque “os caras comiam, elas engravidavam, e ele tinha quem pagava a conta era ele”. Eu ouvi isso. Eu estava lá. E essa não foi uma piada de mau gosto. Foi um reflexo fiel do que ele pensa sobre a presença feminina no espaço profissional: não como agentes da mudança ou do progresso, mas como meros objetos de consumo descartáveis.
Não é a primeira vez – e, lamentavelmente, dificilmente será a última. Bolsonaro não é apenas um político com um histórico de declarações problemáticas sobre mulheres. Ele incorpora um arquétipo de opressor que se alimenta da degradação do outro para afirmar seu poder. Desde o infame episódio em que disse que Maria do Rosário “não merecia ser estuprada” até sua insistente tentativa de menosprezar mulheres jornalistas, Bolsonaro cultiva um padrão de comportamento que não deveria ter espaço na política contemporânea.
A pergunta que se impõe, então, é: como um homem com esse histórico ainda mantém seguidores e influência? O Brasil, que se diz em busca de evolução, ainda permite que lideranças se projetem a partir da humilhação alheia. Essa aceitação silenciosa – ou pior, essa conivência ativa – é um sintoma de um país onde mulheres são assassinadas diariamente, onde a violência doméstica é uma epidemia e onde a desigualdade de gênero persiste como uma chaga social.
É inissível que um ex-presidente, uma figura que deveria simbolizar liderança e dignidade, perpetue uma cultura que reduz mulheres à sua aparência e às suas supostas qualidades estéticas. Bolsonaro não é um velho rabugento que solta piadas sem pensar. Ele sabe exatamente o que está fazendo: reforçando um sistema que desmoraliza mulheres e enfraquece qualquer tentativa de emancipação feminina. Seu discurso não é apenas desprezível – ele é violento.
No Brasil, uma mulher é morta a cada seis horas apenas pelo fato de ser mulher. O feminicídio cresceu 2,6% em 2023, segundo dados oficiais. Ao mesmo tempo, pesquisas revelam que 63% das mulheres brasileiras já sofreram algum tipo de assédio. Esses números não são aleatórios. Eles são o resultado de um país que ainda não reconhece a mulher como cidadã plena, mas como um ser subalterno, cuja existência precisa ser validada por um olhar masculino.
E Jair Bolsonaro é a personificação desse Brasil tóxico. O Brasil que se incomoda com mulheres no poder, que tenta silenciar mulheres que pensam, que agride mulheres que se recusam a se submeter. Ele é o reflexo de uma sociedade que ainda se sente desconfortável diante da ascensão feminina e que vê no ataque à mulher uma ferramenta política.
O pior de tudo é que Bolsonaro não está sozinho. Ele é o líder de um culto à brutalidade, onde mulheres são reduzidas a caricaturas e a violência verbal é um instrumento de dominação. O que seus apoiadores fizeram diante da declaração infeliz? Riram. Acharam graça. Transformaram a misoginia em entretenimento. E isso é um problema. Porque não se trata apenas do que Bolsonaro diz – mas do que seus seguidores repetem, absorvem e reproduzem na sociedade.
Em um país minimamente civilizado, um líder político que atacasse mulheres com tanta constância estaria condenado ao ostracismo. Mas, no Brasil, Bolsonaro ainda encontra palco e plateia para suas barbaridades. Suas falas são apenas a ponta do iceberg de um problema estrutural, que vai desde a falta de representatividade feminina no poder até a impunidade que protege agressores.
A imprensa repercute, as redes sociais criticam, mas o ciclo segue se repetindo, sem que nenhuma mudança real aconteça. E esse é o grande perigo do bolsonarismo: ele não é apenas uma ideologia política, mas uma cultura de destruição de valores democráticos e humanitários. Se o Brasil permitir que figuras como Bolsonaro continuem sendo relevantes, estará legitimando a barbárie, institucionalizando o desrespeito e perpetuando a violência.
Bolsonaro não pode mais ser tratado como um político excêntrico, um ex-presidente que “fala o que pensa”. Ele é um símbolo do que há de mais atrasado na sociedade brasileira. E sua permanência como um nome relevante na política é um sintoma de como a luta das mulheres ainda está longe de ser vencida.
O Dia Internacional da Mulher deveria ser um momento de celebração das conquistas femininas. Mas, no Brasil de Bolsonaro, a data se tornou um lembrete do quanto ainda há a ser feito. Não basta que mulheres ocupem espaços – é preciso que esses espaços sejam respeitados. Não basta que mulheres falem – é preciso que suas vozes não sejam soterradas por gritos de ódio e risadas de escárnio.
Enquanto Jair Bolsonaro seguir sendo uma figura política ativar o pior irada, o Brasil continuará retrocedendo no combate à misoginia e à violência de gênero. Ele não é apenas um problema. Ele é o sintoma de um país que ainda precisa se curar da doença do machismo institucionalizado.
A questão que fica é: até quando?