COLUNISTA

Não é a penitência, mas a misericórdia que Deus deseja

Por Dom Caetano Ferrari |
| Tempo de leitura: 4 min
Bispo Emérito de Bauru

A Liturgia deste Ano C proclama o Evangelho de São Lucas. A intenção de São Lucas ao escrever o seu Evangelho é mostrar que Jesus veio abrir uma nova história, a história de libertação e salvação especialmente para os pobres e oprimidos mediante a instauração de novas relações de fraternidade a serem criadas sobre as bases de um amor e compaixão nunca vistos antes. Os biblistas dizem que o Evangelho de Lucas é o mais atraente, mais prazeroso de ser lido, porque apresenta "a mensagem de Jesus como Boa Nova de um Deus comivo, defensor dos pobres, curador dos doentes e amigo dos pecadores" (cf. José Antônio Pagola, em "O Caminho aberto por Jesus", Editora Vozes). O santo Padre o Papa Francisco nos tem falado que este é o Evangelho da misericórdia. No trecho evangélico da santa Missa deste domingo - Lc 1,1-4;4,14-21 - São Lucas primeiramente diz que também ele decidiu escrever, segundo um modo próprio de organizar, a história dos acontecimentos como foram contados pelas testemunhas oculares e ministros da Palavra. Depois, São Lucas a a apresentar o programa de Jesus. No dizer de São Lucas, foi Jesus mesmo quem escolheu uma agem de Isaías para fundamentar o seu programa a fim de dizer com que Espírito Ele se anima, inclusive vê as suas preocupações e os seus propósitos. Pois, foi na Sinagoga de Nazaré, num dia de sábado, que Jesus tomou o Livro de Isaías e leu: "O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu. Enviou-me para levar a Boa Nova aos pobres, para anunciar aos cativos a liberdade e aos cegos a visão, para libertar os oprimidos e anunciar o ano da graça do Senhor. E, fechando o Livro, devolveu-o ao ajudante e sentou-se. Toda sinagoga tinha os olhos fixos nele. Ele se pôs a dizer-lhes: 'Hoje, se cumpre esta Escritura que acabais de ouvir'" (Lc 4,16-21). São Lucas abre o ministério apostólico de Jesus com o anúncio de uma Boa Nova da libertação para 'os pobres, os cativos, os oprimidos e os cegos'. Estas quatro categorias de pessoas, conforme destaca Pagola, que sintetizam os feridos golpeados pelas misérias daquele tempo, mas que representam os sofredores de todos os tempos. Na primeira leitura da santa Missa - Ne 8,2-6.8-10 - o sacerdote Esdras reuniu o povo para ler e explicar o Livro da lei (Deuteronômio). Reunindo o povo do amanhecer ao meio-dia começou elevando um hino de louvor a Deus, depois proclamou a Palavra do alto de uma tribuna e com a ajuda dos levitas a explicou. O povo com o rosto por terra reconheceu seus pecados, chorou e pediu perdão. Erguendo as mãos todos responderam: "Amém. Amém". O governador Neemias e o sacerdote Esdras anunciaram ao povo: "Este dia é consagrado ao Senhor nosso Deus. Não fiqueis tristes nem choreis... Comei carnes gordas e tomai bebidas doces... Pois a alegria do Senhor é a vossa força". Na segunda leitura - 1Cor 12,12-30 - São Paulo afirma que nós, todos juntos, judeus ou gregos, escravos ou livres, batizados e alimentados pelo mesmo Espírito formamos o único corpo de Cristo e, individualmente, somos membros desse mesmo corpo. Deus distribui seus dons a cada membro da comunidade conforme Ele quer. Todos os membros desse corpo são importantes e cada qual exerce sua função específica em vista do bem do corpo todo.

A doutrina da Igreja distingue com nitidez os dois níveis de compreensão do que significa a libertação cristã. Primeiramente, significa salvação do pecado, é de natureza religiosa e espiritual, compreende a parte essencial da evangelização que é salvar a pessoa toda e todas as pessoas para a vida eterna, plena e feliz com Deus. Depois, diz respeito também à promoção humana, que exige por exemplo, dar o pão a quem tem fome e roupa ao nu, curar as feridas, defender a dignidade humana, cuidar da vida do planeta, lutar contra as injustiças e opressões. É parte integrante da evangelização. Refere-se às dimensões da vida temporal e histórica do homem. O magistério da Igreja sempre alertou os cristãos a não confundirem a libertação cristã com as ideologias de cunho político. A salvação é uma história da caridade, do amor de Deus, e não uma história do ódio, como, por exemplo, o viveram o revolucionários do marxismo. Jesus aprofunda as exigências da justiça e da misericórdia. No entanto, pelo proposta do mandamento novo Jesus pede aos seus discípulos para que busquem uma perfeição de santidade que os façam ir além da justiça humana, isto é, que sejam misericordiosos como o Pai é misericordioso (cf. Lc 6,36). Especialmente por sua prática, Jesus priorizou a misericórdia, segundo disse que não é a penitência, como exigência da justiça, que Deus quer, mas é a misericórdia, como exigência do amor, que Ele deseja (cf. Mt 9,13). Jesus, verdadeiramente, revelou o rosto misericordioso Pai como ninguém o fez.

Apresentado assim por São Lucas, este é o programa que Jesus adotou e o propôs aos seus discípulos de então, de hoje e para sempre. A obra a libertação cristã e da salvação eterna só se consegue à base do muito amor e misericórdia, segundo a medida da caridade e misericórdia de Cristo que amou sem medida, até o fim e para sempre.

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