
A cena que abre o filme "Thunderbolts" não poderia ser mais direta ao ponto. Na pele da heroína Yelena e na beirada do topo de um arranha-céu, Florence Pugh abre os olhos e encara o abismo, melancólica por alguns segundos, antes de se jogar do edifício. É uma situação forte para o prólogo do mais novo filme do Marvel Studios, mesmo que a protagonista logo depois acione seu paraquedas e aterrisse sã e salva em um andar inferior. Na narração, Yelena revela os sintomas clássicos da depressão, da falta de ânimo ao abatimento com a rotina de mercenária.
A personagem tem lá sua razão para se sentir presa a um ciclo enfadonho de destruição. Contratada por uma corporação, a nova Viúva Negra a os dias eliminando alvos e destruindo laboratórios sem razão aparente. A sua chefe, a política Valentina de Julia Louis-Dreyfus, prospera como chefe da CIA, e as missões da heroína aliviam a vida da comandante diante de uma investigação em Washington. Yelena logo resolve tomar as rédeas de sua vida e procurar uma saída daquela existência fútil. Mas o filme continua a girar em torno do entorpecimento, e o público descobre rapidamente na história que a protagonista não está sozinha em sua tristeza. Em menor ou maior grau, todos os integrantes dos tais Thunderbolts, um grupo improvisado de super-heróis, parecem encurralados pelas circunstâncias. O mundo, também, soa como se andasse em baixa, alimentado pela incerteza da falta dos Vingadores, um assunto que volta à tona vez ou outra no longa de Jake Schreier.
A sessão de terapia coletiva dá um caldo interessante à trama. Cada guerreiro sofre com a solidão por razões diferentes, e essa sensação de desajuste une os personagens ao longo da aventura. O tema é tão caro ao filme que o roteiro concebe um vilão, o Vácuo, que se alimenta justamente da apatia, em uma escuridão que força o papo para o centro da ação. A história martela tanto a questão da depressão que a certa altura o longa mais parece uma ação da Marvel para a campanha do Setembro Amarelo, mesmo em maio. "Thunderbolts" aí lembra a dinâmica de um romance para jovens adultos, ao trazer o subtexto para o texto de forma tão insistente. Apesar das vantagens, essa aproximação a longe do surpreendente ?entre os heróis da Marvel, por exemplo, "Os Jovens Mutantes" fez algo similar. O que impressiona mesmo no filme é ele abraçar isso sem abrir mão da grande produção do Marvel Studios, dosando o tom melodramático entre correrias e explosões. A direção pelo menos equilibra bem os temas mais sérios sem se afundar em debates complexos ?os quais sofreria para abarcar? e ideias genéricas ?que reduziriam os heróis a figuras iguais e sem graça. A produção é bem mais concatenada sobre suas ideias que outros capítulos recentes do estúdio, um mínimo que hoje parece o máximo. Nos cinemas de Bauru.