A abordagem sobre ela e outras cangaceiras é muito realista. Circulam entre o rapto, o estupro, abusadas sexualmente, subjugadas aos desejos dos homens. Muitos acreditavam e acreditam que a mulher, no cangaço, possuía os mesmos direitos que os homens, o que não é verdade.
A Rainha do Cangaço nasceu na Bahia, em 1910, em Malhada da Caiçara. Conhecida como Maria de Déa, fora casada com um primo desde os 15 anos, que não lhe dava a atenção que desejava. Possuía um comportamento transgressor. Sua existência bravia foi ideia disseminada pela literatura de cordel, pelos livros e pela televisão. Foi degolada, ainda viva em 1938.
O capitão Virgulino Ferreira da Silva era notícia, com uma imagem pública associada à coragem, à valentia e ao acerto de contas. Desejava conhecê-lo. Podia até temê-lo, mas tinha medo maior ainda da mesmice, em que vivia, segundo a autora.
Para o sertanejo pobre, não havia escapatória. Era uma questão de escolher entre dois tipos de violência não muito diferentes. De um lado, a das forças policiais, cujos métodos de tortura em nada deixavam a dever aos dos bandidos. Do outro, dos cangaceiros, homens embrutecidos, vingativos e perversos. Lampião, como contraponto, espalhava alguma dose de ternura pelos povoados por onde ava desde que chegou à Bahia e construía boas relações com os homens mais poderosos da região. O estilo do líder e de seu bando despertava um misto de medo e fascínio nas populações do sertão do nordeste. Chegava a distribuir autógrafos. Maria de Déa era uma das mulheres sertanejas que nutriam iração pelo capitão Virgulino. As amizades dele com os oficiais e coroneis eram muito fortes.
Encontraram-se e iniciaram o namoro. Em 1930, ou a viver maritalmente com ele e se tornou a primeira cangaceira da história do Brasil. Com isso, outros cangaceiros levaram suas mulheres. Todas elas perdiam o querer. Diversas eram raptadas da casa dos pais.
Os filhos que nasciam no cangaço eram encaminhados para alguém cuidar. A determinação em cumprir promessa fazia de Lampião um tipo calculista, tornando-se ainda mais cruel. A cangaceira, com raras exceções, até ajudava na tortura. Maria tinha por hábito, por exemplo, arrancar brincos de mulheres inimigas à força, rasgando-lhes os lóbulos.
A violência dos cangaceiros não desestimulava algumas sertanejas a querer entrar para o grupo. “Reduzidas a uma vida que sóis se punham e nasciam sem que nada de extraordinário que movimentasse suas existências, inúmeras delas sonhavam com a rotina de ouro, danças e aventuras que existia no imaginário popular sobre o cangaço.
Menina inocente e brincalhona se transformava em mulher fria e vingativa.
Um fato, narrado pela autora me surpreendeu. A cangaceira Sila, mulher de Zé Sereno, levada de casa com 11 ou 12 anos, na modesta bagagem que levara para o cangaço, incluíra suas bonecas: Rosinha e Branca. Ao ver os brinquedos, Maria se ofereceu para lhe costurar roupinhas e ela e Sila brincavam juntas de casinha.
Em um canto do coração, apesar de viverem mergulhadas em atrocidades, a pureza da infância permanece.
Maria Cristina Castilho de Andrade é professora e cronista ([email protected])