OPINIÃO

Enxaquecas e milagres da maternidade


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A paciente jovem, de cabelos curtos e óculos, entra no meu consultório para receber a sua terceira sessão de acupuntura e eu notei algo diferente nela. A fisionomia do rosto, com um sorriso associado a um olhar de preocupação tornando o conjunto da fisionomia um pouco desafiante para minha interpretação.

Eu a conheci há pouco tempo, tratava-se comigo de um caso de “enxaqueca” que a afligia desde a adolescência e que nunca foi bem controlada, apesar das muitas medicações de uso controlado e efeitos neurológicos intensos. A acupuntura estava ajudando bem, apesar de estarmos somente no início.

“Doutor”, disse ela ao entrar na minha sala, mesmo antes de se sentar, “aconteceu algo que eu preciso lhe falar!” – completou a frase.

Com essa “dica” que ela me deu, através da escolha das palavras e a hesitação em falar diretamente o que estava acontecendo, ficou mais fácil de deduzir o ocorrido (e acertar):

- Você está grávida? – cravei, tirando os óculos e levantando as sobrancelhas.

- Estou! – misto de alegria e insegurança vieram à tona. Não estava melhor a ponto de deixar de tomar as medicações fortes que fazia uso, mas o fato é que estas estavam imediatamente suspensas, devido à condição de maternidade que se anunciava. O receio, então, era que a dor saísse do controle, sem os remédios.

O que lhe expliquei, para tranquilizar, é que a própria enxaqueca, com a gestação, iria mudar, assim como ela. Poderia ser, inclusive, que ela simplesmente sumisse, sem a necessidade de tratamento algum. Milagre? Pode ser. Vamos conversar um pouco sobre isso.

Primeiro, os hormônios da gestação afetam a circulação sanguínea e isso influencia diretamente no mecanismo mais clássico das ditas enxaquecas. Essas mudanças podem mudar a mulher de tal forma que a dor não retorne mais, mesmo depois da gestação acabar, sem necessidade de outros tratamentos.

Depois, existem várias causas para “dores de cabeça” intensas, nem todas têm o “mecanismo” típico das enxaquecas clássicas. Essas “múltiplas” causas podem, inclusive, coexistir para resultar em uma dor que é bem particular de um indivíduo justificando talvez o motivo da dor ser de difícil controle nesta paciente. A acupuntura pode ajudar, tratando várias causas ao mesmo tempo, individualizando também o tratamento.

Desta forma, a dor de cabeça não ocorre pela “falta de medicamento”, como implicitamente essa paciente achava, dadas suas preocupações. Ela ocorre por um diagnóstico que precisa ser mais elaborado (tornando-se mais preciso, com o entendimento da dor e o sofrimento que ela causa) e o tratamento ajustado a esse conhecimento.

O que torna o tratamento adequado e eficaz é o seu ajuste para a realidade do paciente e o seu bem-estar, visto de uma forma integral. No caso, uma condição de gestação (e futura maternidade) demanda isso porque a própria paciente está mudando e, em alguns pontos, de forma definitiva.

Depois do processo que ela está ando, o tratamento medicamentoso pode se tornar desnecessário e não precisará ser retomado, inclusive. Estaremos diante de um outro corpo, com metabolismo diferente, dando a impressão de que processo de maternagem chegou para a paciente fazendo um “milagre” de cura. Particularmente acredito que haja aí um bom percentual de verdade.

Alexandre Martin é médico, especialista em acupuntura e com formação em medicina chinesa e osteopatia ([email protected])

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