OPINIÃO

O genoma brasileiro


| Tempo de leitura: 3 min

Em um feito inédito na ciência genética mundial, pesquisadores brasileiros sequenciaram o genoma completo de 2.723 indivíduos de diferentes regiões do país. Publicado na prestigiada revista Science, o estudo faz parte do projeto DNA do Brasil, iniciativa do Ministério da Saúde em parceria com universidades e centros de pesquisa nacionais.
O Brasil é um dos países com maior diversidade genética do planeta, essa mistura gerou combinações genéticas únicas, que não são encontradas em nenhuma outra população mundial. O estudo detectou cerca de 8 milhões de variações genéticas inéditas, jamais registradas em bancos de dados internacionais como o gnomAD (Genome Aggregation Database), usado globalmente para pesquisa e desenvolvimento de terapias genéticas.

Um dos principais focos do estudo foi entender como a miscigenação brasileira influenciou a composição genética da população atual. Os dados mostram que a herança genética paterna (transmitida pelo cromossomo Y) é majoritariamente europeia, enquanto a herança materna (transmitida pelo DNA mitocondrial) apresenta uma contribuição mais equilibrada entre indígenas, africanos e europeus. Essa assimetria é interpretada como um reflexo da história colonial do Brasil, marcada por exploração e violência sexual durante o período escravocrata e de colonização europeia.

Mais do que uma curiosidade histórica, esse padrão genético ajuda a compreender como a desigualdade social e as dinâmicas de poder ao longo dos séculos deixaram marcas duradouras na constituição biológica da população brasileira.

Com base na análise dos genomas sequenciados, os pesquisadores conseguiram classificar 18 perfis genéticos distintos que compõem a diversidade populacional brasileira. Esses perfis representam diferentes combinações de ancestralidade e são fundamentais para o desenvolvimento de uma medicina personalizada, adaptada à realidade genética do país.

Ao incluir brasileiros de diferentes regiões e origens no estudo, o projeto DNA do Brasil rompe com a hegemonia eurocêntrica na pesquisa genética e estabelece um novo padrão de diversidade científica. Isso tem impacto não só para o Brasil, mas para a ciência global, que a a ter o a um conjunto de dados muito mais amplo e representativo da humanidade.

O projeto já despertou o interesse do Ministério da Saúde, que vê na iniciativa uma ferramenta estratégica para o planejamento da assistência à saúde da população. A longo prazo, espera-se que os dados genéticos possam ser utilizados para:

Desenvolver testes genéticos íveis para a população via SUS; mapear riscos populacionais de doenças crônicas;  orientar campanhas de prevenção regionalizadas; formular protocolos de tratamento personalizados; investir em pesquisas de medicamentos mais eficazes para o perfil brasileiro.

Essa aplicação prática dos dados genéticos representa uma revolução silenciosa, mas profunda, no modo como o Brasil poderá tratar sua população no futuro.

Apesar dos resultados extraordinários, o estudo publicado é apenas o começo. A meta do projeto DNA do Brasil é sequenciar mais de 200 mil genomas, incluindo populações indígenas, quilombolas e outros grupos ainda sub-representados na ciência. Para isso, é fundamental o apoio contínuo do governo, da sociedade e das instituições de pesquisa.

Mais do que um avanço técnico, a pesquisa é uma reafirmação da importância de conhecer profundamente quem somos para cuidar melhor da saúde coletiva. Em um país de dimensões continentais e de diversidade ímpar, compreender nossa genética é compreender nossa identidade. E essa identidade, agora mapeada em detalhes, será uma aliada poderosa na construção de um futuro mais justo, inclusivo e saudável.

Edvaldo de Toledo é empresário, enfermeiro, especialista em Gerontologia e Geriatria, Criador da Cuidare e Diretor de Saúde do Município de Pedra Bela
([email protected])

Comentários

Comentários